quarta-feira, 21 de setembro de 2011
À beira do poço de Jacó
Primeiro se conectar com a Fonte de meu desejo.
Sentir donde nasce esta busca, certo caminho, certa vontade de.
Permanecer no aberto deste desejo, desta fonte que não cessa de jorrar, é aceitar somente o infinito como objeto deste desejo e ter a consciência de que qualquer outro objeto é passageiro, é perecível.
Podemos lembrar aqui da Samaritana em seu encontro com Jesus ao lado do poço de Jacó.
Nela, neste encontro, é desvelado este amor, esta sede insaciável, este verbo intransitivo que dispensa objetos para ser, amar.
E Jesus oferece aquilo que somente pode apaziguar este desejo, a fonte onde jorra água viva. A fonte da qual se bebermos a água seremos saciados. Porque seremos esta própria fonte. Esta água nos faz fontes.
Foi Jesus quem disse: “Quem beber da água que darei, nunca mais terá sede, a água que lhe darei tornar-se-á nele uma fonte, jorro de vida eterna” (Evangelho de João 4, 1-29).
Um bom final de semana a todos.
Com um abraço caloroso.
Daniel M. Oliveira
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Sobre Facebook, Voldemort e a eterna guerra entre o Bem e o Mal
“Depois que o vento
cessa, eu vejo a flor que cai.
Por causa do pássaro que
canta, descubro a quietude da montanha.”
Poema Zen
I. Facebook
Passei a brincar com a Malu
dizendo que eu a adotei como consultora, uma espécie de personal trainer, para o uso das famosas redes de relacionamentos.
Leia-se aqui, principalmente, o Facebook
e o Twitter. Alguns poderão achar
meio ridículo isso; esta necessidade de ajuda para realizar um tipo de
empreitada, que para a maior parte dos viventes, trata-se de algo parecido com
respirar. Entretanto, quem vos fala é um legítimo espécime da geração “caverna
do dragão” e “tênis kichute”. Sou um pouco devagar, vocês entendem. A coisa nos
nossos tempos anda tão rápida, que parar para pedir informação, para se
localizar, se tornou impossível. É mais importante a velocidade do que a
direção para a qual se segue. Então, aqui estou, correndo.
Estava absorvido pela paisagem
que se descortinava a minha frente, através das explicações da Malu, sobre como
“curtir”, “compartilhar”, “cutucar”, “postar”, etc... quando uma janela no
computador é aberta, e então nos deparamos com uma inesperada homenagem. Lá
estava, em uma página de uma certa admiradora, a relação de pessoas famosas que
correspondiam a seus amigos, grupos ou pessoas de seu conhecimento (descobri
que se trata de uma brincadeira bastante comum no Facebook). E advinhem. O Änïmä estava nesta listagem relacionado a
uma foto do malvado e amado Voldemort.
Grande!
Neste momento, a Malu exclamou:
“Olha só isso, que barato!”.
Eu, com uma cara de interrogação,
perguntei intrigado: “Mas, o que significa isso, hein?”.
E o Helton, nosso urso panda
bem-humorado, finalizou: “Eu gostei! Eu gosto do Voldemort!”.
Pois, iniciamos uma pequena
discussão filosófica a respeito disso. A conclusão dela, um tanto quanto
lisonjeira, é que Harry Potter não existiria se não fosse Voldemort...
II. Voldemort
Para os amantes da famosa série
“Harry Potter” não é estranho dizer que seu personagem principal não existiria
se não fosse o vilão Voldemort. Isso é algo que a autora da série fez com um
grande brilhantismo. Vocês se lembram da história. Voldemort invade a casa da
família Potter e assassina os pais do pequeno Harry. Aquele, tenta também, matar
este. Ele aponta sua varinha para Harry e desfere o mortal feitiço: “Avada
Kedavra”!!! O feitiço pega em Harry, mas ricocheteia na direção de Voldemort,
que o recebe também; neste momento, parte da vida sai de seu corpo e vai para o
pequeno Harry. Isso explicará, nós sabemos, porque Harry Potter estará sempre
em conflito, o porque o chapéu seletor ficará em dúvida, o porque dele (Harry)
ser um ofidioglota, e o porque ele muitas vezes sabia o que Voldemort pensava e
estava tramando. Harry Potter era, na verdade, uma das “horcruxes” de Voldemort
(para aqueles que não entenderam nada do trecho acima estão convidados a lerem
os livros ou a assistirem os filmes...rs). Por isso, ele precisou ser morto por
Voldemort no final da trama; enquanto parte da vida do vilão estivesse nele, o
mal sempre estaria à espreita. Voldemort viveria.
O mais instigante disso tudo é
que a linha que separa o bem do mal é muito tênue, no que diz respeito à
sabedoria e à felicidade. O bem e o mal estão escritos em manuais e em
cartilhas; segui-los não é garantia de nossa felicidade nem de nossa sabedoria.
Mas, sim, de nossa obediência.
Isso pode ser visto pela
intrincada história da morte de Dumbledore, pela suposta traição do professor
Snape, ou pela prisão do tio de Harry, Sirius Black. A história é constituída
por uma espécie de entrelaçamento entre bem e mal, e muitas vezes, opera uma
subversão destes conceitos. O fio condutor não é a moral, mas a amizade e o
amor.
Isso nos leva ao último ponto...
III. A eterna guerra entre o Bem
e o Mal
Doutrinas constituídas por
conceitos dualistas são intrinsecamente violentas. Em seu interior está sempre
operando a guerra entre os contrários. Pessoas que compartilham da mesma fé
apontam o dedo em riste uma às outras. Tribunais são arquitetados. Perseguições
realizadas.
Estas doutrinas são todas
herdeiras da religião de Zoroastro, estabelecida nas estepes da Rússia
Meridional, por volta de 1200 a.C. Naquela época, o povo ariano passava por um
momento de turbulência política, de atrocidades e sofrimentos, onde guerreiros
cruéis, lutando sob as ordens do perverso Indra, investiam contra povoações
amantes da paz e cumpridoras da lei. Vandalizavam e saqueavam uma aldeia após a
outra, matavam os habitantes e levavam seus touros e suas vacas. O sofrimento e
o desamparo de seu povo levaram Zoroastro a uma visão dicotômica e conflitante.
O mundo parecia polarizado, dividido em dois campos irreconciliáveis, e
inspirou uma religiosidade militante que divide uma realidade complexa em
categorias supersimplificadas de bem e mal. Zoroastro projetou a violência de
sua época no divino e a tornou absoluta.
Uma visão semelhante pode ser
identificada na seita dos essênios há época de Jesus. Estes formavam uma
espécie de comunidade monástica que habitava as margens do mar morto, e tinha a
prática constante, ao longo de todo o dia, de realizar banhos rituais de
purificação. Eles se intitulavam de “os filhos da luz”; os banhos de
purificação os tornavam “santos”, no sentido de separados, de um mundo já
corrompido que tendia necessariamente ao caos da escuridão. Era uma doutrina de
pré-determinação; não sobrando nada à liberdade humana. Eles não permitiam a
presença nem de mulheres nem de doentes na comunidade. Estavam ali simplesmente
para morrer.
A visão de Jesus à época era
integradora. O batismo que ele trazia não era pela água, era pelo fogo. O fogo
comunga com a diferença e a integra, transformando-a em luz. Ele, mais do que
ninguém, nos ensinou que não somos nossos erros. E se caímos, é para sempre
batermos a poeira e nos levantarmos novamente. Este tipo de visão tenta
combater a crueldade e a agressividade promovendo uma espiritualidade baseada
na não-violência e na não-dualidade. Deus se tornou Pai e infinitamente
transcendente; ele é o eterno e infinitamente Outro, ele nunca se conforma aos
nossos desejos e ambições, nem ao que imaginamos ser bem e mal. É por isso que
nos primórdios do cristianismo, os padres que habitavam os desertos do oriente,
indicavam como uma prática vital, o silêncio e o jejum.
Pois, seria sempre necessário
nos esvaziarmos de qualquer palavra ou idéia, que imaginamos ser verdadeira, ou
de qualquer satisfação ou sentimento, que imaginamos ser pleno. Para daí então,
talvez, encontrar a verdadeira palavra e a plena satisfação. É necessário
sempre caminhar, caminhar e caminhar...
É importante dizer isso em tempos
como estes, onde observamos nascer cada vez mais, comportamentos e opiniões de
um completo espírito moralizador, reacionário e sedentário. Uma língua, uma
cultura, uma doutrina, um pensamento que precisam se defender do que é
diferente, já estão fadados à morte. Quem tem uma baixa auto-estima, flerta com
esta sedução.
Afastei-me um bom tanto de Harry
Potter. No entanto, foi ele quem me trouxe até aqui.
É que me pareceu, que a trama
deste jovem herói, juntamente com a inesperada homenagem de nossa ‘admiradora’
(lembram-se?), possibilitava este tipo de reflexão.
A moral, a idéia de bem e mal,
estarão sempre aí para nos orientar. Mas, uma adesão estrita à lei, pode nos
tornar canalhas legalistas. A vida ainda é maior do que isso.
Temos uma necessidade de um
espírito de coragem e ternura.
A mensagem de Jesus antes de ser
moral, era uma mensagem ética de amor.
A quietude da montanha pode ser a
moldura do canto de um pássaro...
Daniel M. Oliveira
Daniel M. Oliveira
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